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OS JOVENS TAMBÉM TÊM OPINIÃO SOBRE OS ASSUNTOS DO DIA-A-DIA, DO PAÍS E DO MUNDO! ESTE É O BLOG ONDE ESSA OPINIÃO CONTA. DÁ-NOS A TUA. SER JOVEM É UM ESTADO DE ESPÍRITO (e segundo a lei é dos 14 aos 30 xD)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Faz parte

O barulho da torneira da cozinha sempre a irritara a vida inteira, sem saber porquê. Teimava em fechá-la com força para que aquela música irritante não voltasse ao seu inconsciente e ao seu ouvido, como um zumbido constante. Todos os dias ela se sentia como um poço de desejos furados, que não passavam de sonhos corroídos pela água que escorregava por ali todos os dias da sua curta vida.
Corria sempre pelos trilhos cheios de ervas daninhas e adorava saltar sobre as pedras. Passeava horas de bicicleta sem nunca se cansar e jogava às cortas sozinha… Há infortúnios da vida que vêm sem os querermos receber. Há uns anos, aquela cabeça leve e arejada respirava o ar de alguém que era mais do que um amor; um companheiro. Vida a dois é sempre complicada, mas não para ela. Ela tinha nascido para ter alguém, para ser dedicada por natureza. Só que, por vezes, quanto mais nos debruçamos sobre algo, mais o ritmo nos foge sob os pés, mais o barulho da torneira se confunde por entre o ruído das ceifeiras.
Nada mais do que a morte à nossa porta, nada menos do que voltar a ficar sozinho. Ela nunca mais voltaria a dormir ao lado de alguém, nunca mais o sorriso doce e pálido se esboçara para alguém. ‘Bom dia’, ainda murmurava às vizinhas. Mas não, aquele cheiro tradicional das casas de pedra absorvera-se como a água infiltrada nas gretas da casa. Cheirava sempre a pão e a madeira velha. As cadeiras nunca tinham sido antes envernizadas, de certo. No sótão, ouviam-se ruídos dos bichos a passearem-se como que as senhoras na avenida. Porque quereria ela ficar? Gostaria do pó no soalho, das janelas cheias de dedadas nos vidros, do calor insuportável do Verão, da loucura que a solidão lhe proporcionava?
Ela podia pegar nas malas e sair porta fora sem nunca mais voltar. Mas a pouca mentalidade que ainda lhe restava, teimava em prender-se ao desinteresse, àquela vida mesquinha de quem se contenta com pouco. Teria medo de deixar as visitas à campa nos domingos? Nunca lhe teriam dito que o cemitério não muda de residência? Ela podia voltar as vezes que quisesse, mas ela confessara para si mesma de que o hábito se torna mais apetitoso do que a própria palavra viver. Talvez fosse comodismo, que não a deixava ser oportunista.
Enquanto ela passava os dias sentadas numa cadeira, com um olhar perdido, e um sorriso guardado na palma das mãos fechadas, as outras falavam da vida alheia, inclusive da dela. Interrogava-se porque seria sempre a favorita das fofocas da aldeia. ‘Talvez devesse mesmo sair daqui’, ainda pensava. Mas os músculos contraiam-se e quase que se enrolavam às pernas das cadeiras velhas com cheiro a madeira podre. Ela tinha medo de tudo, não conhecia uma única cidade. Sabe lá ela o que é a liberdade. Julgava-se sábia, mas desconhecia o cheiro ao escape dos carros a soltarem mais e mais fumo. Aninhava-se apenas na cama e cantava baixinho como que a embalar-se. Passava dias nisto… A mobília já não tinha que limpar, a loiça era tão pouca e não havia mais nada que a pudesse tornar útil dentro daquele casario. Já se imaginava em velha a fazer tricô, ou talvez nem lá chegasse. Em todo este tempo, a sua cabeça estava desfeita entre choros consecutivos, ou em cantorias desalegres. Chegou a hora de crescer mais um pouco, mas o tempo passava por ela sem a ver. A sua simplicidade e ignorância tornava-a cada vez mais translúcida. Ela podia sair à rua, e juntar-se às banais coscuvilheiras, mas preferia passar os dias a agradar a Deus, a rezar e a preocupar-se em ser uma boa dona de casa, tal como mandam as tradições. Já nem pagava na renda, e o dinheiro que as tias de longe lhe mandavam, chegavam perfeitamente para pagar a meia dúzia de banhos tomados num mês, ou pelas sopas que lhe duravam a semana inteira.
O comodismo apoderou-se da pessoa que sempre foi, e acabou em alguém transparente. Os que passavam, já não a viam na janela, pois a sua presença era tão certa, que o seu rosto acabava colado nos vidros sujos. Simplesmente, aquela pessoa achava que a solidão tinha que fazer parte, mas ninguém lhe falou de que esse passo era só um passo oportuno da velhice, e não de quem tinha apenas vinte e poucos anos. É triste saber que ainda há gente que pensa que quem canta, reza duas vezes, e por isso passa dias a cantar, ou a pensar o quanto Deus é bom. Já ninguém acredita em fé. Ninguém tem que achar que faz parte. A rapariga cuja casa caía de velhice, acabou por morrer de desgosto, de infelicidade e insatisfação. É assim que muita gente morre. E tudo isso porque ainda acreditam que ‘faz parte’…

1 comentário:

João Pereirinha disse...

Acho sobretudo em Portugal, as pessoas são muito comodistas e depois aceitam tudo. Podem não gostar ou não estar bem mas aceitam. Depois cria-se aquela mentalidade "ah deixa lá levar um presunto ao presidente a ver se ele me aprova aquele projecto", "é melhor não dizer não para não arranjar problemas com este agora" etc etc... depois estamos num ponto em que basta haver um pouco de pressão e pronto, todos cedem e dão cu. E isto acaba assim por ser um problema de ética social. Tudo isto é corrupção e os maus e olhados de lado são sempre os que têm posição e no fundo dizem que não às coisas quando acham e sabem que estão erradas. Enfim... não sei se percebes-te a ideia... Mas o texto está bem desenvolvido sim senhora minha escritora de palmo e meio :P Beijinhos grandes